Ele se interessou por perfumes porque queria estar cheiroso para as namoradas. Hoje, tem a maior rede de lojas de cosméticos do mundo. Miguel Krigsner e a arte de ganhar dinheiro agradando muito as mulheres

Vou lhe fazer uma pergunta íntima: o senhor, que lida com batons, nunca sentiu que era visto de uma forma diferente?” A pergunta desconcertante partiu de uma blogueira portuguesa em direção a Miguel Krigsner, 62 anos, fundador da rede de cosméticos O Boticário. “Será que ela está me achando com cara de bicha?”, pensou. “Não sou, adoro o sexo feminino.” A cena aconteceu em outubro do ano passado, na festa que celebrava os 25 anos da chegada da marca a Portugal. Em março, O Boticário completou 35 anos de existência, com Krigsner à frente de um exército de 23 500 mulheres — na fábrica, em São José dos Pinhais, no Paraná, elas são 65% da força de trabalho e, nas lojas, 95%. Ele se sente confortável com isso. “É difícil discutir com os homens sobre tendências de cores de maquiagem ou sobre um fundo floral para uma fragrância, porque eles se perdem”, afirma.

Krigsner foi um adolescente tão interessado em namorar que resolveu mergulhar em assuntos de mulherzinha. “O universo feminino sempre me fascinou, talvez por eu ter perdido minha mãe aos 12 anos”, diz. “A figura da mulher ficou em mim como algo que eu queria muito ter e, para isso, era necessário conhecer.” Tornar-se atraente incluía ainda o hábito de usar perfume. “Meu grande medo era ser rejeitado por cheirar mal como os garotos da minha idade, que se esqueciam de passar desodorante”, confessa. Ele acabou pegando gosto pela coisa: a cada dez dias, batia ponto no apartamento de uma vizinha contrabandista que trazia do Paraguai perfumes para revender. Ali, passava horas debruçado sobre os vidrinhos, tentando identificar cada uma das notas que compunham as fragrâncias.

Nessa época, dividia seu tempo entre a escola e a loja de roupas do pai, em Curitiba. “Meu velho era um sedutor nato”, recorda. “Ele tratava muito bem as clientes, e acrescentava: ‘que olhos bonitos você tem’, ‘ficou lindo na senhora’.” Krigsner aprendeu. Faz um tipo discreto, mas é conhecido por sua delicadeza com o sexo feminino. O empresário também admite ter passado “algumas vezes” (não revela quantas) a cantada “Me inspirei em você para criar esse perfume”. “Que mulher resiste a um negócio desses?”, provoca. Das musas inspiradoras, sabe-se apenas o nome de três: sua esposa, Cecília, virou perfume nos anos 1980. As filhas do casal, Tatiana e Annete, deram origem a Thaty e Anni, perfumes produzidos até hoje.

O Museu do Holocausto, idealizado por Krigsner no subsolo da sinagoga que ajudou a construir, também na cidade

Se não fossem as mulheres distraindo-o dos estudos, Krigsner talvez fosse médico hoje, como queria seu pai. Quando terminou a escola, ele viajou pelo país de carro para prestar cerca de 20 vestibulares para Medicina. Levou bomba em todos. De volta a Curitiba, foi parar na faculdade de Farmácia, onde passou por uma das piores experiências que alguém com nariz sensível pode enfrentar: um estágio num laboratório de análises clínicas, lidando com exames de urina e fezes. “O cheiro da sala era tão horrível que eu entrava de costas”, conta. Depois do trauma, ele começou a pensar como ganhar dinheiro com beleza. Em 1977, com outros três sócios (que já deixaram o negócio), inaugurou, no centro de Curitiba, a farmácia de manipulação O Boticário, especializada em cremes e xampus. O empreendimento emplacou mesmo dois anos depois, com uma filial no aeroporto Afonso Pena, na região metropolitana, e uma linha de perfumaria. Os produtos da marca conquistaram de cara as aeromoças, que passaram a revendê-los em suas cidades para fazer um dinheirinho extra. A partir daí, começaram a pipocar interessados em distribuir os produtos pelo país. Sem querer, Krigsner colocou em prática uma espécie de franquia, palavra que nunca tinha ouvido.

No ano passado, O Boticário virou a maior rede de lojas do Brasil em número — 3 260, à frente do McDonald’s — e receita. No segmento de cosméticos, é a maior rede do mundo. Tem mais de 100 pontos de venda em oito países. Uma figura importante nesse crescimento foi o cunhado do empresário, o administrador de empresas Artur Grynbaum, que entrou em O Boticário aos 16 anos e nunca mais saiu. “Ele era o cara que não deixava eu namorar a irmã dele”, diz Krigsner. “Ficava imaginando: se ele cuidar da empresa do jeito que cuida da Cecília, vai ser ótimo.” O fundador, que lamenta não ter voltado a estudar por falta de tempo, viu em Grynbaum a dupla perfeita. “Ele é mais cartesiano, eu sou o lado emocional, criativo”, diz. Os dois tornaram-se sócios: Krigsner tem 80%, e o atual presidente, 20%. “É importante para a empresa contar com essas duas cabeças”, afirma. De fato, funcionou: desde que Grynbaum assumiu o cargo de presidente executivo, em 2008, o faturamento quase dobrou. Passou de 2,8 bilhões para 5,5 bilhões de reais. Ano passado, o grupo lançou uma nova marca de cosméticos, Eudora, também voltada ao público feminino. Krigsner, porém, não esconde que quer ver as filhas, Tatiana e Annete, no comando da companhia mais adiante. “Esse papo de que é importante cada uma seguir seu caminho é conversa”, diz. “Você constrói um negócio e quer que haja continuidade pelos seus filhos.”

Mesmo depois do sucesso, Krigsner não quis saber de mudar-se para São Paulo para tocar os negócios. Segue em Curitiba, onde vive desde os 12 anos. Judeu, o empresário nasceu em La Paz, na Bolívia. Seus pais eram sobreviventes da Segunda Guerra Mundial e perderam 23 familiares nos campos de concentração. Ele ficou milionário, mas não é do tipo que esbanja. Não frequenta colunas sociais e uma das raras vezes em que apareceu na imprensa foi doando dinheiro para a construção de uma nova sinagoga na capital paranaense, inaugurada no ano passado. O templo abriga um Museu do Holocausto, idealizado por ele. Atuando como presidente do conselho administrativo, Krigsner tem hoje um pouco mais de tempo. Mas nem tanto. “Hoje mesmo, me mandou um e-mail às 6h da manhã”, diz a secretária Malu, que o acompanha há 30 anos. Cabe a ela preparar a sala do empresário, na fábrica de São José dos Pinhais, para recebê-lo: ligar o ar-condicionado e borrifar o perfume masculino Malbec, de O Boticário, no ambiente.

A primeira loja da rede, no centro de Curitiba

Krigsner decora o espaço com livros de arte (a obra completa de Vik Muniz, um de seus artistas plásticos preferidos, ocupa lugar de destaque), objetos de artesanato, fotos da sua família e bilhetinhos escritos pelas filhas (“Você é o melhor pai do mundo”, lê-se em um deles). Mas a estrela do local é mesmo o fantoche sósia de Krigsner, com quem brinca no retrato que ilustra esta reportagem. Fã de marionetes, ele criou e patrocina o Teatro de Bonecos Dr. Botica, em Curitiba. O banheiro tem um toque especial: dois perfumes da concorrência. Um chamado Attitude, da Giorgio Armani, e uma colônia da Abercrombie & Fitch (veja ao lado as preferências mundiais de Krigsner).

Também investiu na sua principal paixão: em 2010, decidiu montar um museu dedicado à história da perfumaria para abrigar seu acervo de “vidrinhos”, o Espaço Perfume Arte + História, em São Paulo. Krigsner não deixa de farejar fragrâncias — e oportunidades — onde quer que esteja. Ao tirar de um armário em seu escritório um vidro da colônia Acqua Fresca para uma foto, perguntou: “Conhece?”. “Sim, estou usando esse perfume”, ouviu da repórter. Ato contínuo, fez questão de dar uma cheiradinha no cangote dela para verificar a eficiência do produto. Tudo com muita classe.