Poucos atores são tão perfeccionistas, interpretam tipos tão diferentes e conseguem definir a medida certa de seus personagens como Javier Bardem. Lembre-se do assassino Anton, do filme Onde os Fracos Não Têm Vez (2008), do desafortunado Ubal, de Biutiful (2011), ou do pescador tetraplégico Ramón Sampedro, de Mar Adentro(2005), que lutava pelo direito de morrer. Não há neles caricaturas ou exageros. São exatos, em geral brutos, quase sempre perturbadores e, algumas vezes, profundos. Sua interpretação vem sem excesso, embora não lhe falte emoção. Bardem é uma eficiente máquina de encarnar personagens complexos. Mas é também um homem que se mantém com os pés na realidade e não permitiu que a fama deformasse sua vida ou sua visão do mundo. É o tipo de cara que adora sair para beber com sua turma e não gosta quando alguém faz alarde sobre ele ou o trata de uma forma especial, reservada aos astros do cinema.
Nascido nas Ilhas Canárias, ele cresceu em Madri e vem de uma família de artistas. Seu avô, Rafael, era ator, e seu tio, Juan Antonio Bardem, roteirista e diretor. A mãe é a atriz Pilar Bardem. “Foi ela que manteve meus pés no chão e impediu minha cabeça de voar. Tenho visto os altos e baixos da fama”, afirma. “Meus pais, avós e outros parentes são atores, e percebi que um dia você pode ser bem-sucedido e no dia seguinte tornar-se um joão-ninguém. É tudo muito frágil”, diz.
Sua carreira, porém, é bastante constante. Em 20 anos, fez mais de duas dúzias de filmes e uma variedade impressionante de papéis. Apesar disso, e de todos os elogios derramados sobre ele, Bardem ainda fica agoniado com suas performances. “A verdade é que nunca estou muito satisfeito, porque há sempre momentos e espaços em um filme em que sinto que posso fazer mais e não estou alcançando o nível certo”, diz, balançando a cabeça e inclinando-se para trás no sofá de uma suíte em um luxuoso hotel na França, onde conversou com ALFA. “Só tento fazer o meu trabalho da melhor forma. Ter popularidade, ser amado pelos outros é ótimo e me faz feliz, mas penso no que minha mãe me ensinou: atuar tem a ver com algo realmente poderoso, íntimo em si mesmo, que vai muito além de todo esse barulho em torno de você.”
Bardem continua relaxado no que tange à sua imagem e não deixa de se impressionar com a própria fama. A mentalidade de ator espanhol, forjada em filmes independentes e produções precárias, faz com que trate o star system com o mesmo desleixo reservado a seu vestuário, principalmente quando está em seu próprio país. Ele já superou a fase difícil que se seguiu à primeira indicação para o Oscar, pelo papel do escritor gay cubano Reinaldo Arenas, em Antes do Anoitecer (2000). Quando a notícia da indicação chegou à Espanha, passou a ser seguido por toda parte e tornou-se incapaz de encontrar privacidade em qualquer canto de sua amada Madri. A experiência foi decepcionante para um homem que valoriza a beleza do contato diário com as pessoas nas ruas. “Minha vida ficou completamente louca, eu não podia ir a nenhum lugar. Todo mundo começa a dizer como você é grande, o quão incrível você é. E você começa a se perguntar: quem sou eu? Qual é o valor do que tenho feito?”, lembra. “Posso brincar com isso agora, mas foi um momento desagradável para mim. Pensei em parar de atuar. Depois me acalmei e agora simplesmente não me importo.”
Para o tapete vermelho, com blazer e gravata fina (1); de camisa preta, em San Sebastian, na Espanha (2); em cena de Vicky Cristina Barcelona, com Scarlett Johansson (3): grandalhão discreto
Ele também esvazia o status de símbolo sexual, cultivado desde meados dos anos 1990 na Espanha e impulsionado mundo afora depois de sua atuação como o pintor libertário Juan Antonio em Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen. “Não sou nada sedutor na vida real. Nunca gostei de brincar com as mulheres. Sou tímido”, admite. “Mas me diverti trabalhando com Woody, que cria um ambiente mais relaxado e easy-going do que tudo que experimentei antes.” O filme teve um impacto profundo em sua vida pessoal por reapresentá-lo a Penélope Cruz, com quem havia trabalhado pela última vez 16 anos antes, em Jamon, Jamon, de Bigas Luna. No set de Vicky Cristina, os dois se apaixonaram e, em seguida, se casaram. Em janeiro de 2011, Penélope deu à luz seu primeiro filho, Leo. “Ela é uma mulher extraordinária e uma incrível atriz. Estou loucamente apaixonado, e ser pai é algo que me alegra, apesar de ser uma experiência que quero compartilhar apenas com a nossa família e amigos”, diz.
Quando entra em uma sala, Bardem imediatamente chama a atenção com seu rosto grande e seu largo sorriso. É uma forte presença. Ouvir sua fala, interrompida muitas vezes com explosões de gargalhadas, tem um efeito hipnótico sobre o interlocutor. E ele ganha grandeza para além de seu estilo informal e urbano, de certa rusticidade. Seu visual “macho” é exibido em casacos de couro, na barba por fazer e numa permanente costeleta. Ele não se rende a acessórios e cultiva roupas básicas, como jeans, tênis e camisetas pretas. O preto, por sinal, domina seu vestuário e cai bem para a sua constituição física robusta, resultado de seus dias jogando rugby pela equipe nacional da Espanha.
Bardem sorri com frequência, mas fica muito sério quando fala do trabalho. Aos 43 anos, conta que aprecia cada vez mais os papéis em que é forçado a chegar ao limite emocional ou físico. Agora mesmo, está às voltas com o vilão do 23º filme da série de James Bond, do qual se espera mais ação do que densidade psicológica. “Meus pais me levavam para ver os filmes de 007, assisti a todos. Atuar em um deles vai ser divertido”, diz.
Matéria publicada na Revista ALFA de março de 2012.
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